Hugo Rogério Canuto Da Silva, 24 anos, auxiliar de farmárcia hospitalar, voltava a um jogo do Flamengo no Maracanã depois de quase dois anos. Mas não conseguiu comemorar a vitória sobre o Corinthians, gol de Bruno Henrique, como os demais 47 mil rubro-negros. Na entrada do estádio, foi impedido de entrar sem tirar sua durag, acessório afro de pano que usa para arrumar o penteado.O morador de Sepetiba, Zona Oeste do Rio de Janeiro, conta que o funcionário da segurança pediu que o acessório fosse retirado. Assim como os funcionários fazem com outros itens para verificar se os torcedores não carregam consigo artefatos ou entorpecentes. Hugo não gostou e se sentiu constrangido.
– Eu disse a ele que ele estava me constrangendo. A durag nada mais é que uma blusa, a camisa do Flamengo que eu estava usando. Eu tirei e pedi para ele passar a mão no meu cabelo, que não tinha nada mais. Ele continuou afirmando que eu teria que tirar a durag para entrar no estádio – contou.
O torcedor tirou o acessório e se surpreendeu na sequência. Não houve qualquer revista. A administração do Maracanã e o Flamengo não tomaram conhecimento do caso no momento. O Batalhão Especial de Policiamento em Estádios, o Bepe, que reforça a revista dos seguranças particulares do lado de fora, também não. Mas o episódio marcou Hugo, justamente na semana da consciência negra.
Histórico de resistência
Depois de entrar no estádio, o torcedor acompanhou o jogo com a camisa do Flamengo e a durag na cabeça. O acessório é usado no Brasil e no mundo normalmente por artistas da música. E é considerado símbolo de resistência de pretas e pretos. Os pedaços de pano estilosamente amarrados na cabeça eram originalmente o capacete de trabalhadores pobres e escravos no século 19. Por toda a simbologia e história, Hugo ficou abalado com o episódio e contou que voltou para casa após a vitória do Flamengo chorando no trem.
– Ando com durag pra cima e pra baixo. Frequento teatro, shopping. Passei por isso no jogo do clube que eu amo. Está sendo muito doloroso. O que mais me doeu foi ver, depois de entrar, o Maracanã fazendo campanha contra o racismo, eu tendo passado por um episódio racista minutos atrás – conta o torcedor.– Um pano de cetim na minha cabeça poderia oferecer algum perigo lá dentro, segundo eles. Até perguntei se eles achavam que eu estava carregando alguma faca, alguma bomba, num pano tão fino. No dia que marcava a minha volta ao Maracanã, estava cheio de saudade, passei esse constrangimento enorme.
Procurado, o Maracanã informou em nota que "adota padrões de revista pessoal de prevenção e segurança, conforme previsto no Capítulo IV, Artigo 13-A do Estatuto do Torcedor: “III – consentir com a revista pessoal de prevenção e segurança (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010)”. Em dias de jogos, antes de entrar no estádio, é obrigatório que o próprio torcedor retire bonés, chapéus, durags, lenços, bandanas, camisas amarradas na cabeça, casacos amarrados na cintura e abra mochilas, bolsas e similares no ato da revista realizada pelos profissionais de segurança responsáveis".
Por fim, a Gestão Maracanã reiterou "que é veementemente contra e não compactua com quaisquer atos racistas ou injúrias raciais".