Se há algo que o futebol ainda não inventou é a realidade paralela — um metaverso, como costuma dizer o colega Marcelo Barreto. Imaginemos a hipótese de decifrar qual teria sido o destino de um jogo caso o treinador optasse por uma substituição, e não por outra. Ou se escalasse o time de forma diferente, ou ainda se um pênalti perdido entrasse.
É o que torna especialmente cruel o trabalho de treinadores, julgados a cada escolha. Cada um de nós pode fantasiar que um resultado seria diferente com outros 11 em campo, mas no fim das contas, é apenas o time do técnico que é posto à prova no mundo real. O outro jogo, este virtual, é o tipo de partida que analistas e torcedores não perdem nunca.
Tal discussão emerge com mais força a cada vez que uma decisão parece contrariar as visões mais ortodoxas. No domingo, quem se viu no centro de uma discussão deste tipo foi Artur Jorge, técnico do Botafogo. Quando colocou o zagueiro Barboza de atacante, apenas um dos possíveis metaversos do jogo era fácil de desvendar: se o defensor cabeceasse uma bola para o gol e desse a vitória ao alvinegro, Jorge seria celebrado por sua coragem de pensar fora da caixinha. Como o gol foi do Bahia, foi condenado ao posto de vilão no Nilton Santos.
Tampouco é possível dizer que desfecho teria a partida se o treinador mantivesse em campo a formação que dominava o Bahia àquela altura, sem alterar tão radicalmente o sistema de jogo de um Botafogo em evolução. O gol da virada sairia? Impossível garantir. Mas também não é por isso, pela falta de uma “contraprova”, que os treinadores e suas decisões não possam ser analisados.
É justo dizer que esta não foi a primeira vez, nem será a última, que um zagueiro é colocado no ataque para tentar um gol no jogo aéreo. Mesmo em torneios de elite, o recurso está longe de ser inédito. O que tornou a decisão de Artur Jorge surpreendente, para não dizer estranha, foi o contexto.
Primeiro, porque ainda faltavam 10 minutos de tempo regulamentar. Com os acréscimos, foram 17 minutos de um Botafogo um tanto desfigurado. E o fundamental: no momento da substituição, o alvinegro já transformara um jogo que fora difícil no primeiro tempo. Jogando à sua forma, com uma pressão mais ajustada, laterais atuando no campo adversário e mudanças como as entradas de Cuiabano e Óscar Romero, o Botafogo era melhor no jogo. E o fazia com a sua identidade.
O futebol não oferece certezas, mas em geral o que se busca é aumentar suas probabilidades. E, naquele instante, tudo indicava que as chances de vencer eram maiores com o tipo de jogo que tem caracterizado este Botafogo. Talvez soasse menos inesperado se Barboza fosse lançado como atacante, por exemplo, nos acréscimos, quando as possibilidades de vencer pelas vias mais convencionais parecessem esgotadas. Foi como um botão de pânico pressionado cedo demais
É muito provável que a convivência com os jogadores, algo de que observadores externos não desfrutam, tenha dado a Artur Jorge a sensação de que o jogo poderia ser decidido por esta rota. Mas se há algo de que ele pode se queixar, é de que, por um desses caprichos do futebol, viu sua escolha ser duramente punida. Ao fazer a substituição, terminou o jogo com uma linha defensiva de cinco homens, sendo que dois destes não são defensores — Diego Hernández é atacante, Gregore é volante. Este último largou a posição para tentar um bote no meio-campo, criou um espaço não coberto por Hernández e, por ali, Rafael Ratão decretou o 2 a 1 para o Bahia.
Se o atacante errasse o alvo, se Barboza tivesse a chance de cabecear uma bola no gol, talvez Jorge fosse celebrado. Mas o futebol não tem seu metaverso.
SOLIDARIEDADE
Foi difícil se concentrar só no futebol neste fim de semana. As cenas da catástrofe no Rio Grande do Sul consomem qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade. Neste contexto, o futebol deu bom exemplo à sociedade. O adiamento dos jogos foi o acerto mais óbvio, mas a participação dos clubes e a presença de jogadores nas ruas, resgatando pessoas em perigo e auxiliando famílias vulneráveis, ajudou a aquecer o coração.
UM CAMINHO
O Flamengo que empatou em Bragança Paulista segue distante de ser um time cujo desempenho realize as expectativas geradas pelo elenco. De todo modo, o segundo tempo ofereceu alguns caminhos. O gol de Bruno Henrique mostrou o atacante explorando sua melhor versão, atacando a área - e não aberto na ponta. Além disso, De La Cruz cresceu atuando mais recuado, enquanto Léo Ortiz e Viña melhoraram a saída de bola.
LARGADA
Após cinco rodadas, nenhum time ganhou mais de dois terços dos pontos disputados no Brasileiro. Ao menos por ora, não há um time que ensaie uma largada avassaladora. A baixa pontuação, no entanto, não reflete um torneio mal jogado. Levando em conta o contexto de um calendário cruel, as crises instaladas em clubes no pós-Estadual e o imenso desgaste, o campeonato teve bons jogos, times interessantes e variações táticas.